terça-feira, novembro 07, 2006

"Escolhas" (V)

"Nem queria acreditar quando senti a tua mão pousar-me no ombro. Já não me lembrava que nunca havias devolvido a chave que te dei quando vieste morar comigo da primeira vez. Ao ouvir-te chamar o meu nome foi como se acabasse de sair de uma espécie de transe que me fazia pairar. Não queria acreditar. Estavas ali, na minha casa, com a mala à porta do quarto, pronto para ficar comigo. Percebi que não era uma mudança definitiva. “Tens de perceber que não posso arriscar tudo. Vamos ver se desta vez resulta, sem promessas que não possam ser cumpridas.”, disseste-me com um ar grave e compenetrado. Respondi-te que sim, que te percebia e que também não queria errar outra vez. Aquele momento foi bastante esclarecedor. Desci das nuvens. Mostraste-me, em poucas palavras e num gesto simples de levar apenas uma mala, que ias tentar, mas que ao mínimo sinal sairias de cena, como se estivéssemos num palco a representar uma peça de teatro. Confesso que a vontade que tive naquele instante foi dizer-te que não te queria pela metade. Mas, no fundo, sabia, e sei, que apenas estavas a proteger-te de mim e do mal que eu poderia voltar a fazer-te. Percebeste o que estava a sentir. “Não faço isto para te magoar. Longe de mim fazê-lo. Se assim fosse não tinha vindo. Mas tenta entender. Esta é a minha maneira de me proteger. A segurança de que preciso vem com o tempo, e tens de ajudar-me a construí-la”, disseste-me com o mesmo tom de voz doce e terno com que falas com a Maria quando ela cai, se magoa, corre para o teu colo e com aquela vozinha meiga de menina pequenina te diz: “Tio, tenho dói-dói.”. Só que eu não tenho 4 anos e não sou a Maria. Sou uma menina um pouco mais crescida que já te fez sofrer uma vez e que, agora, apesar de te ter de volta tem de saber lidar com os erros que cometeu. Sei que vai ser complicado. Sabia-o quando voltamos a ficar juntos, mas ter-te outra vez compensa todos os esforços. Fechei os olhos e deixei-me abraçar por ti. Não queria pensar em nada. Sentia-me feliz e queria viver aquela felicidade, durasse ela o tempo que durasse.
Estava a sentir-me tão bem em ter-te ali, como já não sentia há muito tempo, que nem me dei conta da insistência do telemóvel em tocar. Quando, finalmente, olhei para o irritante objecto que tocava e vibrava freneticamente na mesa-de-cabeceira e percebi que era trabalho, estive a ponto de não atender, mas não podia fazê-lo. E, meio contrariada, lá atendi a chamada. Foi um telefonema rápido, mas não o suficiente para não conseguires surpreender-me. Quando desliguei já tocava aquela música. “Lembras-te?”, perguntaste-me com um sorriso malandro e os olhos a brilhar. Claro que me lembrava. Foi o primeiro disco que me ofereceste! Recordo-me de o termos ouvido a noite inteira, repetido vezes sem conta. Um disco de duetos. Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, duas vozes que amo de paixão e que se completam numa sonoridade capaz de me fazer voar. Colocaste a tocar aquela música, a “nossa música”, que tocava quando nos beijamos pela primeira vez - “Love is here to stay”. Abracei-te a cantaste-me baixinho ao ouvido, em tom de sussurro “Its very clear, our love is here to stay, not for a year, but forever and a day” e eu descansei a cabeça no teu ombro, sentindo que desta vez nada nem ninguém poderia separar-nos. Mergulhei ainda mais no teu abraço e senti-me plena. Dançamos ainda um bom tempo assim, abraçados e juntinhos, como se fossemos um só. E foi assim, unidos como se fossemos um só que acabámos por adormecer.
O dia seguinte amanheceu chuvoso. A chuva e o vento que fustigavam a janela, aliados ao aroma a café acabadinho de fazer e a torradas quentinhas, foram o meu despertador natural. Ouvi-te trautear uma música qualquer que não consegui identificar e voltei a mergulhar nos lençóis. “Vai valer a pena!”, sussurrei de mim para mim.
A inauguração do teu restaurante é já no fim-de-semana. O início da realização do teu sonho. Espero que saia tudo como esperas. Estás tão feliz e tão nervoso..."

3 comentários:

Pedro disse...

Olá! Tudo bem?
Tenho um pequeno desafio para ti no meu blog. Está no post com o título "O desafio das manias".

O desafio assenta que nem uma luva na tua pessoa!!!!!!!!!!

Beijinhos

Pedro

Pedro disse...

Maria,

Entretanto, li o text e gostei. Acho que a música poderia ser o "What a Wonderful World" igualmente do Louis Armstrong.

Mas será que é uma história verdadeira?

Beijinhos

Pedro

Maria disse...

Pedro - O "Escolhas" é "Uma estória feita de muitas estórias e de alguma história"... A partir disto podes divagar... ;-)

Beijinhos