Mostrar mensagens com a etiqueta Escolhas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Escolhas. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, março 15, 2007

"Escolhas" (VIII)

“O destino por vezes prega-nos partidas e coloca-nos à prova quando menos esperamos. Entrar na empresa logo de manhã e ser surpreendida pelo chefe à minha espera, quase ia fazendo com que eu tivesse uma coisinha má à frente do departamento todo. “Marta, preciso de falar consigo. Faça o favor de me acompanhar ao meu gabinete.” Aquele homem de ar altivo e austero sempre me provocou arrepios. E daquela vez não foi diferente. Quando saí do gabinete do chefe nem queria acreditar. Sentia-me uma menina de 5 anos a quem tinha acabado de ser dado um presente. A proposta, além de irrecusável, era o motivo que me faltava para ir embora e deixar tudo para trás. Integrar a equipa que ia chefiar o Departamento de Marketing da filial que a empresa ia abrir em Londres, durante dois anos. Só podia mesmo estar a sonhar. Mas não, não era sonho. Era a realidade, a oportunidade de mudar a minha vida e apagar o Afonso de mim. Até àquele momento nunca havia conseguido entender como é que alguém poderia fugir para esquecer, mas, num abrir e fechar de olhos, tudo passou a fazer mais sentido. “Não precisa de me responder já. Tem até ao final da semana para decidir. Afinal é uma grande mudança na sua vida.”, disse-me o chefe depois de me fazer a proposta. A vontade que tive foi de lhe dizer, imediatamente, que sim, mas controlei-me. Não tinha dúvida alguma que ia aceitar, só que devia fazer tudo com calma.
Tinha muitas coisas para tratar antes de dar a resposta definitiva ao chefe, e a primeira, e mais importante de todas, era contar aos Pais, ao Francisco e à Eduarda que me ia embora daí a três semanas, e que nem sequer presente estaria no Baptizado do Martim. Foram duas conversas difíceis. Os Pais, apesar de ficarem felizes com a oportunidade que me estava a ser dada, ficaram, também, tristes por saberem que o verdadeiro motivo de eu ter aceite era querer ficar o mais longe possível do Afonso e do vazio profundo e escuro em que a minha vida se tinha transformado desde que a nossa história havia terminado. O Francisco e a Eduarda é que não aceitaram muito bem. O meu irmão chamou-me cobarde e disse que já não me reconhecia. Custou-me muito ver a tristeza no olhar dele. “Preciso de me afastar para me reconstruir...”, foi a única coisa que consegui dizer-lhe. A custo lá percebeu que eu tinha mesmo de me ir embora poder voltar a ser eu. Depois da conversa, disseram-me que o Afonso já não ia ser o Padrinho do Martim, porque já não fazia sentido. “Queríamos que fossem os dois!”, disse-me a Eduarda resignada e sem ter mais argumentos para me demover. O Francisco resolveu convidar o nosso irmão Bernardo para ser o Padrinho e a Eduarda decidiu-se pela Mariana, a prima que era como se fosse uma irmã.
As três semanas seguintes passaram a voar e o dia da partida, finalmente, chegou. A Mãe ficou a tomar conta da minha casa. Descansou-me dizendo que a Rosa iria duas vezes por semana limpar a casa e abrir as janelas para o “ar entrar”. O Pai pediu-me que para tomar conta de mim. Acho que até àquele momento ele nunca tinha percebido que a menina pequenina era já uma mulher. Recordo-me que nem quando saí de casa dos pais para viver sozinha, eles tiveram uma reacção assim. Afinal a minha casa não era assim tão longe da deles, e eu estaria sempre por perto. Só que a filha mais nova, a única menina dos três filhos, tinha, de repente, criado asas que a levariam para longe dele. Mas não poderia ser de outra maneira.
Hoje, passados seis meses desde a partida, começo, novamente, a sentir-me eu. As insónias já se foram há muito, e o facto de todos terem respeitado o meu pedido de não voltar a saber o que quer que fosse do Afonso, ajudou imenso. O Francisco ainda tentou por duas ou três vezes falar-me dele, mas cortei-lhe a palavra. Não podia permitir que a minha paz se fosse embora por causa de “notícias do Afonso”. Sinto que começo, finalmente, a recuperar o brilho e a alegria que perdi na noite da inauguração do Restaurante do Afonso. Às vezes ainda penso nele, mas aprendi a marginalizar a saudade e o amor que, embora me custe admitir, ainda sinto por ele. Mas um dia acabará por passar, porque a vida encarregar-se-á de colocar tudo no seu devido lugar.”

domingo, março 11, 2007

"Escolhas" (VII)

“O tempo tem passado a um ritmo dolorosamente lento. Os dias arrastam-se numa morosidade que me faz acreditar que o tempo vai parar a qualquer momento. A tua saída da minha vida foi repentina demais e deixou em mim um vazio imenso e profundo. Sei que fui eu quem te pediu, mais uma vez, para sair. Mas desta vez não tinha escolha. O teu filho está quase a nascer e é ao lado dele que deves estar. Não há volta a dar a isso. Há uns dias soube pelo Francisco que nunca chegaste a ir viver para casa dela. Contou-me que lhe tens dado todo o apoio mas que continuas a querer comprovar se o filho é mesmo teu, ou não. Receber a tua chamada ontem fez-me tremer e ter vontade de te pedir que voltasses. No instante que ouvi a tua voz do outro lado do telefone sussurrar-me ao ouvido que tinhas saudades minhas, tive uma vontade quase incontrolável de me refugiar nos teus braços e pedir-te que fosses para sempre meu. Disseste-me que quando a criança nascer vais tirar as dúvidas que tens. Pediste-me que esperasse só mais um pouco. Afinal o Francisco também te mantém informado do que se passa na minha vida. “Sei que não colocaste ninguém no meu lugar. Só te peço mais um tempo. Depois vamos poder ser felizes.” Mas não tenho ilusões. Será que acreditas ser capaz de deixar a Mãe e o filho para trás se ficar provado que não és o Pai biológico? Eu não acredito. Sempre quiseste ser pai, e esta criança irá preencher esse vazio que existe na tua vida.
Recordo-me daquela noite fria de Inverno em que, perdido nos meus braços, me disseste como gostavas de ser Pai. Olhei-te com ar enternecido e pedi-te para esperarmos mais um pouco. Os teus 33 anos já faziam o teu relógio biológico funcionar, mas eu ainda não estava preparada. Apesar de não serem muitos os anos que nos separam, eram os suficientes para que eu te pedisse para esperarmos mais um ano. “Para o ano encomendamos um priminho ou uma priminha para a Maria! Prometo!”. Mas agora tudo isso deixou de fazer sentido, apesar de ontem teres voltado a dizer que os nossos filhos vão ser lindos, tal como a Avó Madalena previa. Só que eu já não acredito em nada.
Às vezes penso que seria preferível que tivesses arranjado outra mulher, que te tivesses apaixonado por alguém mais do que por mim, e que essa fosse a verdadeira razão da nossa separação. Custar-me-ia muito, de qualquer maneira, mas ao menos acabaria por passar. Mas um filho não se apaga, é para toda a vida. E não posso, nem quero, alimentar mais ilusões acerca de nós os dois. A vida vai ter de continuar de alguma maneira. Foste um sonho lindo que me atrevi a acreditar que poderia ser real. Mas os meus medos levaram-te para mais longe do que eu julgava. Sei que jamais poderei culpar-te por teres tentado viver a tua vida sem mim durante aqueles seis meses que estivemos separados. Durante esse tempo nada levava a crer que nos voltaríamos a entender. As mágoas daquela ruptura eram profundas demais. Mas a vida trocou-nos as voltas, juntando-nos para voltar, no momento seguinte, a separar-nos. Só que desta vez para sempre. Agora só falta saber como vou conseguir dizer que não ao Francisco e à Eduarda. Mas terá mesmo de ser.
Quando o Martim nasceu, tremi. Entrei na maternidade a medo, porque não queria encontrar-te. O Francisco descansou-me dizendo que te tinha pedido que só lá fosses ao final do dia, para não nos cruzarmos. E assim foi. Há hora de almoço lá fui eu, meio a medo, ainda assim, ver o meu primeiro sobrinho. A Eduarda estava radiante com o seu menino lindo e disse-me com aquele ar embevecido e convicto que só as mães conseguem ter: “O meu filho é o bebé mais lindo do mundo! Vês como eu tinha razão? Eu sabia que ia ter um Martim!”. E sabia mesmo. Recordo-me que, no dia em que nos deu a notícia de que estava grávida, a Eduarda disse que ia ter um menino. Peguei nele, tão frágil e indefeso, e não consegui evitar pensar no teu filho. Também é um menino e vai chamar-se João Maria. Ela quer dar-lhe o nome do teu Avô. É engraçado e triste, ao mesmo tempo, pensar nisso. Porque quando me disseste que gostavas muito de ser Pai, disseste-me, também, que gostarias que o nosso primeiro filho, caso fosse um menino, se chamasse João Maria. E agora o teu filho vai ter esse nome.
O pedido da Eduarda, enquanto eu tinha o Martim nos braços, caiu-me em cima como uma bomba. “Eu e o Francisco gostávamos que, apesar de tudo, tu e o Afonso fossem os padrinhos do Martim.” Saí da maternidade com a cabeça a mil à hora, sem saber o que fazer. Como é que eu vou dizer que não ao meu irmão e à minha cunhada? Como é que lhes vou explicar que não posso ser madrinha do filho deles se o padrinho for o homem que amo e que não posso ter? Como???”

sexta-feira, dezembro 01, 2006

"Escolhas" (VI)

“Nada fazia prever o que aconteceu. Sinto-me devastada, como se um comboio me tivesse passado por cima. A inauguração do teu restaurante foi um sucesso. Não podias estar mais feliz. Confesso que quando vi o teu Pai entrar tremi. Ele sempre quis que seguisses as pisadas dele e, recordo-me, de me teres contado que quando decidiste tornar-te médico, ele te ter dito que seres médico era o maior orgulho que poderias dar-lhe. Sei que foi o medo de o desiludir que te fez adiar o desejo cozinhar. Mas sempre quiseste fazer da culinária a tua vida, e sei que foi necessária muita coragem para te dedicares a isso. E eu estava nas nuvens por poder partilhar aquela felicidade contigo. Mas depois... O “porquê” do que se seguiu ainda continua a fazer-me muito mal. Já passou quase um mês, mas ainda sinto como se tivesse sido ontem.
“Precisamos de conversar, Marta.”, disseste tu quando chegámos cá a casa naquela noite, e a expressão do teu rosto mudou radicalmente. Gelei. Mas nunca imaginei o teor da conversa que se seguiria. “Senta-te, por favor.”, pediste-me com cuidado. Sentei-me a medo, não estava a perceber nada. Parece que ainda estou a ouvir as tuas palavras, repetidas vezes sem conta, como se tivessem ficado gravadas no disco rígido das minhas lembranças. O teu tom de voz mais grave e pausado do que era costume fizeram-me ficar presa ao sofá. Não me lembro muito bem das palavras que saíram da tua boca, mas o essencial, a realidade para a qual me empurraste, entranhou-se em mim e ficou tatuado na minha alma. Aconteceu tudo tão depressa.
Nunca havia tido coragem para te perguntar como tinha sido a tua vida durante o tempo que passou desde que te pedi para ir embora até ao dia em que voltamos a encontrar-nos. Sempre achei que não tinha esse direito. Mas se tivesse perguntado talvez me tivesse poupado a esta realidade que me assombra e que me devastou como se um punhal me trespassasse o peito. A verdade é que nunca fui, verdadeiramente, traída. Não estávamos juntos por culpa minha e a vida tinha de continuar. Ainda assim não consigo deixar de me sentir traída, magoada, destruída. Afinal a “amiga” do André não era “amiga” dele. Afinal o filho que ela vai ter é teu e não dele. Afinal a vida pregou-nos uma partida que nos levou para longe de nós, mais uma vez, pela última vez. Disseste-me que não tinhas a certeza se o filho dela era mesmo teu, ou não e que querias confirmar a paternidade assim que a criança nascesse. Disseste que era comigo que querias ficar para o resto da vida, e que se realmente o filho fosse teu íamos saber adaptar-nos a essa nova realidade. Mas tudo não passaram de meras palavras. Não fui, nem sou, capaz de lidar com isso. A verdade é só uma: vais ter um filho com outra mulher. Todas as verdades envolventes e que consubstanciam a realidade em que isso aconteceu são, para mim, secundárias. Estou a ser intransigente? Estou a ser inflexível? Sim, se calhar estou mesmo. Até porque os teus argumentos são os mais válidos possíveis. Sim, é verdade que não estávamos juntos porque eu te tinha mandado embora e que tinhas de seguir com a tua vida. Mas não sou capaz.
Acabei por te voltar a pedir que saísses da minha vida. E ver-te sair pela porta outra vez fez-me sentir que o meu mundo tinha ficado mais triste e mais pequeno. Custou-me muito, mas sei que fiz a coisa certa. O teu lugar é ao lado do teu filho. Porque se fores mesmo o Pai daquela criança, como eu acredito que sejas, sei que nunca te irias perdoar por não acompanhar o seu desenvolvimento e o seu nascimento. Está a custar-me horrores. E custa-me mais ainda quando penso que esse filho deveria ser “o nosso filho”, e não o teu filho com outra mulher. Mas o destino resolveu que não seria assim.
E desta vez a vida tem mesmo de continuar. Digo-te, mais uma vez, “Adeus” na esperança de conseguir arrancar-te de mim. Mas está a ser tão difícil...”


Nota: Depois de duas semanas de interrupção, volto hoje a publicar a estória "Escolhas". A partir da próxima semana retomarei as publicações desta estória às terças.

terça-feira, novembro 07, 2006

"Escolhas" (V)

"Nem queria acreditar quando senti a tua mão pousar-me no ombro. Já não me lembrava que nunca havias devolvido a chave que te dei quando vieste morar comigo da primeira vez. Ao ouvir-te chamar o meu nome foi como se acabasse de sair de uma espécie de transe que me fazia pairar. Não queria acreditar. Estavas ali, na minha casa, com a mala à porta do quarto, pronto para ficar comigo. Percebi que não era uma mudança definitiva. “Tens de perceber que não posso arriscar tudo. Vamos ver se desta vez resulta, sem promessas que não possam ser cumpridas.”, disseste-me com um ar grave e compenetrado. Respondi-te que sim, que te percebia e que também não queria errar outra vez. Aquele momento foi bastante esclarecedor. Desci das nuvens. Mostraste-me, em poucas palavras e num gesto simples de levar apenas uma mala, que ias tentar, mas que ao mínimo sinal sairias de cena, como se estivéssemos num palco a representar uma peça de teatro. Confesso que a vontade que tive naquele instante foi dizer-te que não te queria pela metade. Mas, no fundo, sabia, e sei, que apenas estavas a proteger-te de mim e do mal que eu poderia voltar a fazer-te. Percebeste o que estava a sentir. “Não faço isto para te magoar. Longe de mim fazê-lo. Se assim fosse não tinha vindo. Mas tenta entender. Esta é a minha maneira de me proteger. A segurança de que preciso vem com o tempo, e tens de ajudar-me a construí-la”, disseste-me com o mesmo tom de voz doce e terno com que falas com a Maria quando ela cai, se magoa, corre para o teu colo e com aquela vozinha meiga de menina pequenina te diz: “Tio, tenho dói-dói.”. Só que eu não tenho 4 anos e não sou a Maria. Sou uma menina um pouco mais crescida que já te fez sofrer uma vez e que, agora, apesar de te ter de volta tem de saber lidar com os erros que cometeu. Sei que vai ser complicado. Sabia-o quando voltamos a ficar juntos, mas ter-te outra vez compensa todos os esforços. Fechei os olhos e deixei-me abraçar por ti. Não queria pensar em nada. Sentia-me feliz e queria viver aquela felicidade, durasse ela o tempo que durasse.
Estava a sentir-me tão bem em ter-te ali, como já não sentia há muito tempo, que nem me dei conta da insistência do telemóvel em tocar. Quando, finalmente, olhei para o irritante objecto que tocava e vibrava freneticamente na mesa-de-cabeceira e percebi que era trabalho, estive a ponto de não atender, mas não podia fazê-lo. E, meio contrariada, lá atendi a chamada. Foi um telefonema rápido, mas não o suficiente para não conseguires surpreender-me. Quando desliguei já tocava aquela música. “Lembras-te?”, perguntaste-me com um sorriso malandro e os olhos a brilhar. Claro que me lembrava. Foi o primeiro disco que me ofereceste! Recordo-me de o termos ouvido a noite inteira, repetido vezes sem conta. Um disco de duetos. Ella Fitzgerald e Louis Armstrong, duas vozes que amo de paixão e que se completam numa sonoridade capaz de me fazer voar. Colocaste a tocar aquela música, a “nossa música”, que tocava quando nos beijamos pela primeira vez - “Love is here to stay”. Abracei-te a cantaste-me baixinho ao ouvido, em tom de sussurro “Its very clear, our love is here to stay, not for a year, but forever and a day” e eu descansei a cabeça no teu ombro, sentindo que desta vez nada nem ninguém poderia separar-nos. Mergulhei ainda mais no teu abraço e senti-me plena. Dançamos ainda um bom tempo assim, abraçados e juntinhos, como se fossemos um só. E foi assim, unidos como se fossemos um só que acabámos por adormecer.
O dia seguinte amanheceu chuvoso. A chuva e o vento que fustigavam a janela, aliados ao aroma a café acabadinho de fazer e a torradas quentinhas, foram o meu despertador natural. Ouvi-te trautear uma música qualquer que não consegui identificar e voltei a mergulhar nos lençóis. “Vai valer a pena!”, sussurrei de mim para mim.
A inauguração do teu restaurante é já no fim-de-semana. O início da realização do teu sonho. Espero que saia tudo como esperas. Estás tão feliz e tão nervoso..."

terça-feira, outubro 31, 2006

"Escolhas" (IV)

Perguntaste-me se eu tinha certeza de que era mesmo isso que queria. Sinto, de verdade, que desta vez é diferente. A minha casa e a minha cama já se tornaram grandes demais para uma só pessoa. Sem ti aqui, a casa fica silenciosa demais. Quando, da outra vez, te pedi para ir embora sentia-me sufocada. Naquela altura as coisas não foram pensadas e aconteceram rápido demais. Agora é diferente. Não sei explicar porque é que é diferente, mas sinto, sei, que é. O que sentimos um pelo outro está mais amadurecido, mais forte. Não posso prometer-te que vou ficar contigo até ao fim da vida. Nem tu podes prometer-me que vais ficar comigo para sempre. A única coisa que podemos fazer é lutar para ficarmos juntos sempre mais um dia, e quem sabe assim, conseguirmos chegar juntos ao fim da vida. É claro que eu adorava que o que vimos hoje enquanto passeávamos no jardim acontecesse connosco. É claro que eu adorava que quando fossemos velhinhos como aquele casal andássemos assim, de mãos dadas e cheios de amor um pelo outro reflectido nos nossos olhos. Só que não te posso prometer que assim será. Apenas posso prometer-te que darei o melhor de mim para que assim seja. Percebo o teu receio. Já te pedi que saísses da minha casa e da minha vida uma vez. É com os erros que se aprende. E aquela separação fez-me perceber que é contigo ao meu lado, na minha casa, de verdade dentro do meu mundo, que posso ser feliz.
Quero que penses bem. Sei que depois do que aconteceu com a tua Avó Madalena te agarraste ainda mais ao que sentimos um pelo outro, como se eu me fosse embora outra vez. Mas não quero que seja esse o motivo que te leve a aceitar o que te proponho. Quero que venhas viver cá para casa outra vez, sim. Pensei muito nisso. É o que quero, porque o que sinto por ti é maior do que alguma vez julguei ser capaz de sentir. Não vou pressionar-te para que tomes uma decisão. Sabes bem que seria incapaz de o fazer. Só te peço que penses com carinho no que te proponho.
Fecho os olhos e tento serenar a mente. Estou agitada, ansiosa e cheia de medo. Sim, também eu tenho medo. Mas não vou deixar que ele me tolde os sentidos. Vou saber esperar por ti, pelas tuas respostas, pelas tuas seguranças, pela tua chegada. Vou ser paciente. A decisão é muito importante e vai provocar novas alterações nas nossas vidas, mais desta vez do que da outra.
A inauguração do teu restaurante está quase a chegar. É já no próximo fim-de-semana. Sei que essa é mais uma das tuas grandes preocupações. Está tudo pronto, mas sei que estás mais nervoso do que uma criança que vai pela primeira vez à escola. Talvez tenha escolhido o momento menos próprio para te pedir que tomasses uma decisão destas, mas sei que se não o tivesse feito agora iria acabar por perder a coragem. E acredita que se foi difícil arranjar coragem para te dizer tudo aquilo, ainda mais difícil foi aguentar os segundos que se seguiram. O teu semblante carregado, sério e impenetrável fez-me tremer da cabeça aos pés. Acho que naquele momento senti medo como já não sentia há muito tempo. “Sabes aquilo que me estás a perguntar? Tens certeza de que é isso mesmo que queres Marta? Não podes voltar a fazer-me entrar no teu mundo para no momento seguinte me mandares embora outra vez!”. Gelei! Tinhas todas as razões do mundo para me falar daquela maneira. Mas, apesar de ter consciência disso, não consegui deixar de me sentir magoada e triste. Disse-te que sim, que sabia bem o que queria, que desta vez era diferente. E esperei que acreditasses em mim e nas minhas verdades. Não fiz nem posso fazer-te juras de amor eterno. Conheces-me bem demais para saberes que sou incapaz de o fazer. Apenas posso estender-te a mão, trazer-te para perto de mim, aninhar-me em ti, tentar conquistar-te um pouco mais a cada dia que passa e deixar-me amar por ti. Sim, porque já não tenho medo que me ames...
Olho constantemente para o telemóvel e para o telefone que insistem em não tocar. Aguardo notícias tuas, mas parece que ainda não é hoje que me vais dar uma resposta. O tempo está a passar e eu começo a ficar impaciente. “Tens de aprender a saber esperar Marta!”, dizes-me tu tantas vezes. Só que eu não sei esperar, e com tanta espera já estou a desesperar. Desta vez vou ser forte e conseguir. Vou mostrar-te que sou capaz de esperar por uma decisão. O ditado diz que “Quem espera sempre alcança”, e eu quero acreditar que assim seja. Mas começo a sentir-me muito pequenina nesta casa.”

terça-feira, outubro 24, 2006

"Escolhas" (III)

“Estava a ver que este dia nunca mais chegava ao fim. Parece que tudo resolveu acontecer hoje. Mas, no meio de tanta coisa triste, surgiu uma boa notícia. Sei que também ficaste feliz, apesar de tudo. É em dias como estes que recordo uma frase que uma amiga minha costumava dizer muito: “Quando uma porta se fecha há sempre uma janela que se abre.”.
Não queria acreditar quando me ligaste e contaste o que tinha acontecido. Sei o quanto amavas a tua Avó. A Avó Madalena que me adoptou como neta no dia em que me conheceu. Ainda hoje me lembro das palavras dela, naquela chuvosa tarde de Janeiro “Vou ter bisnetos lindos!”. Recordo-me de ter ficado um pouco corada. Aquela senhora de 83 anos a dizer-me uma coisa daquelas deixou-me tímida. Quando te pedi que saísses da minha vida ela ficou triste, mas disse-me que sabia que iríamos ficar juntos. Não sei se ela tinha razão, ou não, mas pelo menos estamos a tentar que isso seja realidade. Mas hoje custou-me muito sentir a dor na tua voz, vê-la nos teus olhos. Nunca pensei ver-te chorar nos meus braços daquela maneira. Sei que custa, que dói, que não é justo. Senti-me impotente. A única coisa que pude fazer foi abraçar-te e fazer-te sentir que não estavas sozinho. “Ainda bem que estás comigo Marta!”.
Agora, aqui sentada na minha cama, percebo que não fazia sentido não estar contigo. O jantar de sexta-feira correu muito bem. Mais uma vez surpreendeste-me. Muitas haviam sido as vezes em que me tinhas falado do teu sonho, mas outras tantas também tinham sido aquelas em que afirmavas a tua falta de coragem para o fazer. “Largar o consultório para me dedicar a um restaurante é loucura, mas é aquilo que eu adorava fazer.”, dizias tantas vezes. Sempre te dei força, mas faltava-te qualquer coisa. Acho que no fundo procuravas encontrar uma forma de conciliar as duas coisas. “Percebi que tinha mesmo de o fazer quando te perdi! Não podia arriscar deixar escapar outro sonho, como aconteceu contigo!”, disseste com os olhos presos à Lua reflectida no mar. E foi naquele momento que percebi que talvez não fosse tarde para nós. Senti a tua mão na minha e prendi os meus olhos nos teus. Esses olhos cor de mel, tão doces como sempre, mais doces do que nunca. Senti a brisa marinha no rosto e deixei que a vida acontecesse ali, naquele instante decisivo. E hoje, quase uma semana depois, percebi que ela tinha mesmo acontecido. Foi para mim que correste quando a vida te feriu e arrancou uma parte de ti. Embalei-te nos meus braços e fiz-te sentir seguro. Era um menino pequenino. O mesmo menino pequenino que se sentava ao colo da Avó Madalena enquanto ela lhe contava histórias. Mas a Avó Madalena já não estava ali, e o menino estava perdido. Encontraste refúgio nos meus braços e isso aproximou-nos ainda mais. Talvez a Avó Madalena tivesse razão. Talvez fiquemos mesmo juntos. Quem sabe? Mas depois de tudo o que aconteceu é isso que mais desejo. A ver vamos se sou capaz de não me sentir de novo presa e sufocada pelos teus sentimentos. Acredita que não quero que isso volte a acontecer.
Mas no meio da tristeza aconteceu uma coisa boa: finalmente o Francisco e a Eduarda vão ter um bebé. O Martim vem aí. Sim, porque a Eduarda diz que tem a certeza de que vai ser um menino!
Sei que ficaste feliz, apesar da tristeza que te tomou a alma. Um bebé vai fazer-nos bem a todos. Vai ser a lufada de ar fresco de que todos precisamos para voltar a sorrir.”

terça-feira, outubro 17, 2006

"Escolhas" (II)

“Quando ouvi o meu nome no meio da multidão nem queria acreditar. “Marta!”. Senti o chão fugir-me. Não precisei voltar-me e olhar para trás para ter a certeza de que eras tu. A tua voz é inconfundível. E o modo como meigo e doce como sempre pronunciaste o meu nome continua intacto. “Olá Afonso! Tudo bem?”, perguntei-te sem saber muito bem o que dizer.
Já não te via há tanto tempo. Sem que eu me desse conta, passaram-se quase seis meses desde aquela noite em que te pedi que saísses da minha casa e, consequentemente, da minha vida. E ontem, no fim de um dia que não poderia ter corrido pior, voltei a encontrar-te e a ver-te sorrir para mim. Perguntaste-me se tinha tempo para um café e, sem pensar duas vezes, disse que sim. As palavras fluíram como a água que brota de uma nascente. Era como se nada daquilo tivesse acontecido. Percebi e tive medo. Dei comigo a pensar no que poderia ter acontecido nestes seis meses de distância. E de um modo quase infantil remexi-me na cadeira, e coloquei a mão e posição “pensativa” como gostavas de lhe chamar. Dizias que sempre que estava a pensar colocava a mão naquela posição. Foi involuntário, mas percebeste. “Pergunta lá! Há qualquer coisa que queres saber, não há?”, disseste com uma naturalidade assustadora. Ainda me conheces tão bem. Não perguntei, é óbvio que não perguntei. Que direito tinha eu de te perguntar o que quer que fosse? Afinal fui eu quem te pediu para saíres.
A conversa continuou e, a pouco e pouco, senti-me mergulhar nos teus olhos cor de mel. Quando me dei conta já tinham passado quase duas horas e eu tinha de ir embora. Ainda tinha de ir a casa tomar banho e trocar de roupa, e não podia atrasar-me para o jantar de aniversário do Francisco. “Então, até logo!”, disseste com um sorriso nos lábios. Como é que eu me podia ter esquecido. Tu és o melhor amigo do meu irmão. Era mais do que certo que estarias presente no seu jantar de aniversário. “Até logo!”, respondi-te de fugida, e virei costas para vir embora.
Quando cheguei a casa sentia-me cansada. Pensava na noite que se avizinhava, e que julgava poder ser menos boa. Tomei um banho quente, quase a escaldar. Como se a água quase a ferver fosse capaz de fazer com que eu deixasse de pensar em ti, naquelas quase duas horas em que me perdi nos teus olhos e no teu sorriso. Saí do banho e olhei para a roupa que de manhã tinha escolhido para vestir à noite. Achei que naõ devia vestir aquilo. Troquei de roupa inúmeras vezes, até que me decidi. Estava simples e discreta. Não queria dar nas vistas.
Ao chegar a casa do Francisco vi que o único lugar de estacionamento vago era mesmo ao lado do teu carro. Estacionei e toquei à campainha. A Eduarda abriu a porta com um sorriso de orelha a orelha e sem sequer me dar tempo para dizer olá encarregou-se de dizer-me que já lá estavas. Entrei e os meus olhos procuram imediatamente os teus. Sorriste-me, e senti-me corar. Ficamos sentados em lados opostos da mesa. Muitas foram as vezes que senti os teus olhos pousados em mim. Muitas foram as vezes que, furtivamente, procurei o teu rosto, o teu sorriso, o teu olhar. Não sabia se devia continuar a procurar-te entre tanta gente que ali estava, ou se havia de fugir. Não sabia o que sentir.
Como tenho andado cheia de trabalho dei a desculpa de estar cansada para me vir embora mais cedo. Quando ia a sair vi-te pegar no casaco e despedires-te do Francisco e da Eduarda. Saí sem esperar por ti. Quando estava quase a chegar ao carro senti o teu passo apressado e parei. Olhei para trás e o mundo quase parou. Não deixei que pronunciasses uma só palavra e, num impulso, beijei-te. Quando percebi o que estava a fazer tentei parar, mas o meu corpo não obedecia à minha mente, e aquele abraço tornou-se mais apertado. O abraço foi começando a perder força e afastamo-nos. Acompanhaste-me até ao carro, até perceberes que estava mesmo ao lado do teu. Não me despedi. Entrei no carro e arranquei sem sequer olhar para trás.
Ao chegar a casa reparei que a luz do atendedor de chamadas piscava. Senti que era a tua voz que ia escutar na gravação e ouvi: “Não voltes a fugir de mim, Marta! Hoje percebi que ainda és muito importante para mim. E sinto que percebeste que também sou muito importante para ti. Não nos vamos perder outra vez, por favor. Dorme bem. Beijos!”. Escutar as tuas palavras fez rolar uma lágrima dos meus olhos. Fiquei sem saber o que fazer. Pensei em ligar-te naquele momento, mas senti que já chegava de impulsos naquela noite.
Deitei-me e demorei a adormecer. Não me saías do pensamento. Talvez até tenha sonhado contigo. Não sei, não me recordo.
O dia hoje foi alucinante. À hora do almoço recebi uma chamada tua: “Queres jantar logo à noite?”. “Quero!”, respondi-te de imediato. “Passo em tua casa às 21h para te ir buscar. Quero mostrar-te um lugar novo. Até logo. Beijos!”. E assim ficamos combinados.
Já são quase 21hs e deves estar mesmo a chegar.”

terça-feira, outubro 10, 2006

"Escolhas"(I)

Nota prévia: O "Escolhas" é uma estória que comecei a escrever noutro lugar e à qual decidi, agora, dar continuação. Vou republicar aqui as três primeiras partes, anteriormente publicadas no meu antigo blog, para depois continuar a contar a história da "Marta" e do "Afonso". Espero que gostem.


“Ainda me recordo da primeira vez que nos vimos… Não foi nada romântico… Ficaste arreliadíssimo por eu ter entornado café por cima de ti, no meio da galeria…
Eras amigo do meu irmão Francisco, mas nunca te tinha conhecido… Quando ele nos apresentou fiquei expectante quanto à tua reacção… Estavas tão furioso que nem te apercebeste que eu era eu… “Afonso, esta é a Marta, a minha irmã mais nova!”… “Finalmente conheço a famosa Marta!”, disseste num primeiro momento para, no momento seguinte, fazeres cara de mau… “A menina é uma desastrada!”… Foi a minha vez de ficar furiosa com o tom arrogante e pretensioso com o qual proferiste tais palavras, e acabei por despejar o que restava de café, na minha chávena, por cima da tua gravata… Virei costas e saí…
Qual não foi o meu espanto quando, no dia seguinte, recebo em casa uma caixa de “Blue Rose”, nada mais nada menos que os meus bombons favoritos, acompanhados de um cartão que apenas dizia “Desculpe. Afonso”… “O Francisco”, pensei eu… Liguei-lhe e ele confirmou-me que lhe tinhas perguntado como te poderias desculpar pelo modo como tinhas falado comigo… Desliguei o telefone e fiquei sentada em cima da cama a olhar para a caixa e para o cartão… Qual não foi o meu espanto quando reparei que havia algo mais escrito no cartão – o teu número de telemóvel… Sorri… Coloquei o cartão em cima da mesa de cabeceira e fui tomar banho… Saí para o trabalho e nessa noite fui jantar a casa dos meus pais… O Francisco também lá estava… Contei-lhe sobre o conteúdo do cartão e ele riu-se… “Telefona-lhe!”… Prático como sempre…
Só voltei a olhar para o tal cartão dois dias depois… Liguei-te… Demoraste uns segundos a associar o nome à pessoa, mas a tua reacção foi engraçada: “Suponho que estou perdoado!”… Combinamos um café… Depois outro, e outro, e ainda outro…
Ao fim de três meses éramos, oficialmente, namorados… Aconteceu tudo muito rápido e passado pouco tempo vieste morar cá para casa… Acho que no dia em que te mudaste teve início o fim… Foi uma revolução na minha vida… De um momento para o outro tinha outra pessoa dentro da minha casa, a partilhar o meu espaço, a minha vida…No início foi muito bom… Mas eu não estava preparada, e tu nunca percebeste isso… E o desfecho foi o inevitável, pelo menos para mim…
Hoje, de cada vez que olho para as estantes tenho a falsa ilusão de que ainda estás aqui… Os teus livros, entre os meus, dão a sensação de uma presença irreal… Não levaste nada que te pudesse fazer recordar-me… E assim ficaram os livros que gostavas de ler-me, como se eu fosse uma menina pequenina, e os CD’s que compramos juntos, mais os que te ofereci e, ainda, os que me ensinaste a gostar… Livros que não voltei a folhear… CD’s que não voltaram a tocar… E as cartas… Aquelas que me escrevias quando me sentias mais distante e que julgavas que me levariam, de novo, para perto de ti… Nunca percebeste que algo tinha mudado… E por isso não foste capaz de acreditar que eu não tivesse outra pessoa quando te pedi para sair… Não conseguiste aceitar que eu quisesse, simplesmente, ficar sozinha… Não vês que não precisava de ter alguém para não querer ficar contigo??? Não conseguiste perceber que eu é que tinha mudado… “Os sentimentos mudam!”, disse-te na esperança de te fazer entender… “Gosto muito de ti, mas preciso de estar sozinha!”… Mas foram só palavras vãs… Não queria magoar-te, mas não podia continuar a sentir-me assim… “Não passas de uma menina mimada que quis brincar aos crescidos!”, disseste antes de saíres batendo com a porta… Foste embora e eu fiquei aqui… Sozinha, como queria ficar…
Sei que tens falado com o Francisco… Ele, até hoje, não conseguiu entender a minha decisão… Continua a dizer-me que cometi o maior erro da minha vida… Não quero pensar se ele tem razão, ou não… Mas na altura não poderia ter sido de outra maneira…
Um dia destes telefono-te… Há coisas que tenho de te dizer… Agora que já estás convencido de que não há outra pessoa na minha vida, pode ser que seja mais fácil para ti entenderes as minhas razões… O problema não eras tu… O problema era eu… Até porque ainda gosto muito de ti…”